sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A carta que eu nunca te escrevi

Tantas vezes pensei escrever esta carta, jamais pensei que fosse este o motivo. A tua mãe escreveu-me, há algumas horas atrás, a chorar, dezenas de linhas. O mundo como ela o conhece está prestes a terminar. O vosso também.

Lembro-me perfeitamente da noite em que me ligaste em gritos de choro, desesperada. O mundo acabara de virar do avesso… e o fim parecia inevitável. Lembro-me de me dizeres que te sentias num filme de terror, e lembro-me ainda que, durante dias, também eu quis desesperadamente acordar do que parecia ser um pesadelo. Quando me ligaste estava com a tua gémea e foi de mim que ela ouviu uma das piores noticias e histórias da sua vida. Lembro-me claramente daquela madrugada em que, sem falar, olhamos o tecto durante horas à espera que ligasses com mais novidades e em silêncio fizemos contas sobre quanto tempo demoraríamos a vestir umas calças de ganga e casaco sobre o pijama e fazer os 200 km até chegar a ti. A sensação é que seria sempre tarde demais.

Demorou o suficiente, mas um dia, o pior passou. Contra todas as probabilidades o mundo não acabou… e seguiu com muitas lágrimas é certo, mas também com os sorrisos que o compõem. E do mundo fazem também parte as discussões, desilusões, roturas e o fim. O perder e deixar pessoas para trás.

Perder-te, perder a tua amizade foi um duro golpe. Foste desde o segundo em que nos conhecemos, uma das minhas melhores amigas… quase uma irmã. E perder-te, perder a tua amizade foi também perder a tua irmã gémea… quase uma irmã. Não foi justo para mim. Não foi justo para ti. Na mesma forma que não é justo para nenhuma de nós dizer que a amizade se perdeu. Mas eu perdi a dobrar, porque vos perdi às duas… pior, sem a sensação de culpa. Culpados fomos todos e não foi ninguém. Também sentes isso?

Estou farta de ouvir sempre o mesmo, que é uma questão de tempo. Disseste isso e dizem isso sempre que sabem que não falamos. Ainda, acrescentam. Não sabem que não há mais nada a dizer - foste tu quem me gravou isso em carne viva.

A tua mãe escreveu-me, há algumas horas atrás, a chorar, dezenas de linhas. O mundo como ela o conhece está prestes a terminar. O vosso também. Quis ligar-te. Correr para aí, como tantas vezes, através das dezenas de kilometros de autoestrada e alcatrão. Não o fiz. Pela primeira vez não fiz nenhuma das duas… Li e re-li as linhas da tua mãe sem saber o que lhe responder. Liguei a todos que conheço a pedir distração para a longa noite de hoje. Liguei até esgotar o saldo nos telemovéis. Liguei na esperança ter alguém me dar um motivo irrevogável para não te ligar.

Nunca percebi se a tua mãe soube o que realmente se passou,. Mas tenho a certeza de que soube o suficiente e ainda assim decidiu continuar a tratar-me como a filha além das gémeas. Um dia enquanto tomávamos café e falávamos da vida, disse-me do nada, o mesmo de todos os outros. Para não me preocupar, era uma questão de tempo.

Gostava de responder isto hoje à tua mãe. Que não se preocupasse, que é uma questão de tempo e que tudo vai correr bem. Gostava que isto não soasse tão a falso quanto me soa a mim... quanto sempre me soou a mim.

Estou em luta para não te ligar, para não te escrever. Para não te perguntar se posso ajudar em algo. Porque não posso. Não te posso ajudar em nada, não te devo ligar, nem escrever. Provavelmente ficaria ainda mais magoada se o fizesse. Provavelmente ficarias ainda mais magoada se o fizesse. Provavelmente não traria qualquer sorriso ou vantagem faze-lo, a nenhuma de nós.

Em vez disto escrevo-te esta carta que jamais te será enviada. Que jamais por ti será lida. Uma carta carregada de dor, de mágoa… não pelo que se passou… mas por não te poder ajudar neste momento. Uma carta carregada com carinho e bem-querer que desejava já não ter em mim para ti. Uma carta de preocupação que não posso partilhar com ninguém… A não ser com a L. a quem liguei assim que terminei o e-mail da tua mãe para saber como estavas e o que sabias de tudo aquilo que ela desabafou. Ela mandou-me mensagem há pouco a dizer que estavas bem, dentro dos possíveis… Quis saber se era para avisar que eu sabia. Neguei-lhe o pedido. Melhor assim não achas? Melhor assim, não saberes que me preocupo, que gosto, que sofro o mesmo de antes. O mesmo de sempre.

Melhor assim não achas? Pode ser que tenhas razão e o tempo resolva. Resolva tirar este carinho que tenho por ti, que em dias como hoje me esmaga, como se fosses minha irmã. Agora vou escrever à tua mãe. E conduzir até à praia se for o necessário para não te ligar, enquanto tento esquecer que ali na estante está, há meses, um postal comprado para ti, que simplesmente diz. Tenho saudades e só queria que soubesses.

2 comentários:

perdida disse...

Uma declaração de amizade das melhores que há. Há amores assim...
Comoveu-me imenso.
bjhs

Shadow disse...

Talvez, não sei. Sei sim que é, para mim, contra natura. Escrever sobre isto e ficar sentada sobre as mãos sem puder fazer o que quer que seja.